Localização Geográfica
O cráton São Francisco está localizado na porção Centro-Leste do Brasil e abrange os estados da Bahia, Minas Gerais, Sergipe, Pernambuco e Goiás, sendo a maior parte nos dois primeiros, como mostrado na Figura 1.
Figura 1: Mapa do cráton do São Francisco. (Modificado de Alkmin e Martins Neto (2001)
Entretanto, o cráton nem sempre esteve ali. A cerca de 1,1 bilhões de anos atrás ele constituiu a porção sul do supercontinente Rodínia e depois disso, a cerca de 700 milhões de anos, encontrava-se incorporado ao supercontinente Gondwana. Após a fragmentação deste supercontinente no Juro-Cretáceo, o cráton foi dividido em dois, dando origem aos crátons do Congo (Localizado no continente africano) e São Francisco (América do Sul).
Sendo assim, nosso objeto de estudo hoje retrata uma região que apresenta uma grande história a respeito da formação dos continentes e das características geológicas da Terra, desde o arqueano. É importante observar que o cráton do São Francisco é margeado por cinturões orogênicos Brasilianos, sendo eles a faixa Araçuaí na porção sudeste, faixa Ribeira a sul, faixa Brasília a oeste, faixa Rio Preto a noroeste, faixa Riacho do Pontal e Sergipana a norte.
Contexto Geológico e História Evolutiva
O embasamento arqueano do cráton do São Francisco aflora nas porções Sul e Norte do mapa da Figura 1. Na porção sul as rochas estão relacionadas aos complexos do Bação, Belo Horizonte, Caeté, Santa Bárbara e Bonfim, constituídos por granitos-gnaisses e TTG's (tonalitos-trondhjemitos- granodioritos). Além disso, também afloram rochas do Supergrupo Rio das Velhas, caracterizado por associações de rochas metavulcânicas e metassedimentares (greenstone belts).
Já na porção mais ao Norte, o cráton é formado pelos blocos Serrinha, Gavião e Jequié, além do cinturão Itabuna-Salvador-Curaçá, sendo este último afetado por metamorfismo paleoproterozóico, assim como as rochas arqueanas ao sul do cráton.
No Grupo Gavião foi possível identificar as rochas mais antigas datadas do cráton São Francisco (3.4 e 3.2 Ga). Nele ocorrem gnaisses cinzas, originados por meio de fusão parcial de basaltos toleíticos, com anfibolitos e eclogitos que posteriormente foram intrudidos por granitoides de períodos distintos.
Já o Bloco Jequié é composto por basaltos, cherts, quartzitos e rochas máficas e ultramáficas. Na sequência, o Bloco Serrinha se caracteriza por conter gnaisses-migmatíticos e ortognaisses porfiríticos e tonalitos, constituindo o greenstone belt paleoproterozóico.
Por fim, o Cinturão magmático Itabuna-Salvador-Curaçá tem a sua porção sul relacionada a arcos vulcânicos e sua porção norte relacionada a ambientes acrescionários.
Durante o paleoproterozóico houve colisão dos blocos arqueanos, originando o Cinturão Orogênico do leste da Bahia associado ao Cinturão Central Africano e o Cinturão Mineiro. O primeiro cinturão foi formado durante 2,13 a 2,05 Ma e contém granitos de subducção e rochas de sequências vulcânicas sedimentares, juntos eles elucidaram os movimentos convergentes dos blocos Serrinha e Gavião. Já a formação do Cinturão Mineiro é interpretada como um conjunto de arcos magmáticos acrescionários, constituído de rochas com idades de 2,46 a 2,09 Ga, tais como ortognaisses e metavulcanossedimentares que, posteriormente, foram intrudidas por granitoides.
No final do paleoproterozoico, de acordo com Barbosa (2003), as rochas formadas durante o arqueano e aquelas formadas no início do paleoproterozóico foram colocadas lado a lado devido a movimentos tectônicos. Assim, o metamorfismo presente fez com que essas rochas fossem reequilibradas em fácies de granulito, anfibolito e xisto-verde. Esse metamorfismo deu origem às rochas depositadas que constituem o Supergrupo Espinhaço. Ademais, na sequência, foram acumulados sedimentos glaciais e pelítico-carbonáticos do Supergrupo São Francisco.
Iniciando o neoproterozóico, como exposto, existem evidências de uma glaciação afetando grande parte do cráton. O evento de glaciação é bem representado pelo Grupo Macaúbas, com deposição de sedimentos glacio-continentais a glacio-marinhos. Além disso, esse período é marcado por eventos colisionais sucessivos formadores dos cinturões orogênicos que, hoje, definem o contorno atual do cráton. Em sequência, sobrecargas derivadas das atividades tectônicas acarretaram a subsidência do cráton, dando origem a deposição de sedimentos do Grupo Bambuí e unidades correlativas.
No paleozóico, o cráton do São Francisco registra novamente eventos de glaciação. Na sequência, durante o Cretáceo, ocorreu a fragmentação do Gondwana, ocasionando a divisão dos crátons São Francisco e do Congo, como já citado. Durante esse momento ocorreu a deposição de sedimentos referentes a ambientes desérticos (Grupo Areado e Grupo Santa Fé). Ademais, como ocorria abertura entre os continentes, no Cráton São Francisco também é possível observar registros de contribuições vulcânicas (Grupo Mata da Corda).
Histórico de Exploração
A exploração da porção Meridional do Cráton São Francisco teve início ainda no Brasil colônia, em meados do século XVII, quando foram descobertas as primeiras ocorrências de ouro na região do Quadrilátero Ferrífero. Com o declínio da exploração do ouro entre os séculos XVIII e XIX, iniciou-se uma intensa busca por outras riquezas na área, até que o ferro passou a ser o principal recurso explorado. Devido à importância histórica da região, foram realizadas diversas pesquisas e mapeamentos, sendo o mais relevante deles publicado por Dorr em 1969, de escala 1:25.000 e realizado por pesquisadores do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) em conjunto com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Recursos Minerais
- Em rochas do Arqueano:
As jazidas de ouro do tipo ouro orogênico são as maiores do Quadrilátero Ferrífero. As mineralizações estão associadas a alteração hidrotermal e estão hospedadas principalmente em formações ferríferas bandadas do Grupo Nova Lima, de fácies metamórfica xisto verde, compondo a base do Greenstone Belt do Supergrupo Rio das Velhas. Dentre os principais depósitos (figura 2), destacam-se o de Morro Velho em Nova Lima, onde se estima que 470 t de ouro foram lavradas até o ano do fechamento da mina em 2003, e Cuiabá, localizado na cidade de Sabará, com 170 t de ouro lavradas desde a abertura da mina (M.G. Silva etal, 2014).
Figura 2: Principais jazidas de ouro no Quadrilátero Ferrífero (Modificado de M.G. Silva et al, 2014)
Além do ouro, destacam-se também as jazidas de manganês, presentes em depósitos localizados na Serra da Moeda, Serra de Gandarela, Conselheiro Lafaiete e Ouro Preto. O manganês pode ser obtido de duas maneiras, sendo a primeira delas a partir de óxidos de manganês de minério supergênico, como é o caso do Distrito Manganesífero de Conselheiro Lafaiete. A segunda alternativa é obtê-lo a partir de rochas metamórficas manganesíferas bandadas de textura granoblástica, que formam uma camada com espessura média de 20 metros, contendo rodocrosita, espessartita, rodonita e tefroita. O principal depósito é o Morro da Mina, onde entre 1902 e 1955 foram produzidos 6.074.238 t de minério com teor médio de 45% de Mn. Atualmente, 2022, a mina opera utilizando teores menores (M.G. Silva et al, 2014).
- Em rochas do Paleoproterozoico:
As jazidas de Ferro do Quadrilátero Ferrífero são de grande importância (figura 3). Nelas, são exploradas as formações ferríferas bandadas do tipo Lago Superior, pertencentes à Formação Cauê. Além dos corpos de minério friável com teores históricos de 64% de Fe, também são lavrados itabiritos enriquecidos com teores variando entre 30% e 60% de Fe. No domínio ocidental do quadrilátero, os corpos de minério geralmente apresentam granulação fina e apresentam baixa deformação, podendo variar de maciço a bandado. Já no domínio oriental, os corpos geralmente são xistosos e apresentam maior deformação interna, podendo até obliterar as estruturas sedimentares das formações ferríferas bandadas.
Figura 3: Principais jazidas de ferro na porção Meridional do Cráton São Francisco (Modificado de M.G. Silva et al, 2014)
Na região de Mariana há depósitos de ouro cuja mineralizações são estimadas entre 2,12 e 2,04 Ga, resultantes da circulação de fluidos hidrotermais enriquecidos em CO2. Os corpos de minério estão hospedados na base das FFB’s da Formação Cauê, onde o ouro está associado a sulfetos em veios de quartzo. Um dos depósitos mais famosos é o Passagem de Mariana, onde o ouro começou a ser lavrado no século XVIII e produziu mais de 60 t até 1954. A mina foi desativada em 1984 e atualmente é aberta para visitas.
Também hospedado nas FFB’s da Formação Cauê, é conhecido um tipo especial de depósito de ouro associado a paládio, chamado de “Jacutinga”. Os corpos de minério tem origem hidrotermal, contendo ouro livre na forma de pepitas e agregados intercrescidos com especularita e elementos do grupo da platina.
Outro tipo de depósito é o de ouro associado a urânio. Ocorrem em metaconglomerados classificados como ortoconglomerados clasto-suportados, de origem aluvionar da Formação Moeda, cuja matriz é composta principalmente por quartzo, sericita e pirita. Seus clastos no geral são arredondados, sendo de quartzito, quartzo leitoso ou fumê. Nesses depósitos, o ouro ocorre principalmente associado a um tipo de pirita mais porosa, na forma de pequenos grãos, e nas bordas de outro tipo de pirita recristalizada. Os teores de ouro variam entre 5 e 10 t, podendo atingir dezenas de g/t. Com relação ao urânio, os recursos foram estimados em aproximadamente 15000 t de U3O8 (M.G. Silva et al, 2014).
O Setor Meridional do Cráton São Francisco também se destaca pela exploração de bauxita, também na região do Quadrilátero Ferrífero. Na maioria das vezes, os depósitos estão hospedados sobre dolomitos e itabiritos do Grupo Itabira e ocorrem na forma de lateritas com teor próximo de 40% de Al2O3. Embora atualmente os depósitos se encontrem quase que totalmente exauridos, sua exploração ao longo do século passado foi intensa. A maior jazida foi a de Morro do Cruzeiro, em Saramenha, de onde foram lavradas cerca de 5 Mt de minério (M.G. Silva et al, 2014).
Por fim, fora do contexto do Quadrilátero Ferrífero, o ferro também é explorado na Serra da Serpentina, em Conceição do Mato Dentro, onde as camadas de itabirito podem chegar até 300 m de espessura. Somando os três grandes depósitos da região, Serra do Sapo, Serra da Serpentina e Morro do Pilar, estima-se que o potencial de recursos é estimado em 22 Bt (M.G. Silva et al, 2014).
Autores: Nathália Bueno e Pedro Feldmann
Referências
- CAXITO, F.; DIAS T. G. Ferro - Recursos Minerais de Minas Gerais. Disponível em: http://recursomineralmg.codemge.com.br/substancias-minerais/ferro/#o-quadrilátero-ferrífero. Acesso em: 24 mai. 2022.
- SILVA, M. da G. da;, ROCHA NETO, M. B. da;, JOST, H., & KUYUMJIAN, R. Minas. (2014). METALOGÊNESE DAS PROVÍNCIAS TECTÔNICAS BRASILEIRAS.
- SILVEIRA, C. J. S. da; FRANTZ, J. C.; MARQUES, J. C.; QUEIROZ, W. J. A. de; ROOS, S.; PEIXOTO, V. M.. Geocronologia U-Pb em zircão de rochas intrusivas e de embasamento na região do Vale do Jacurici, Cráton do São Francisco, Bahia. Brazilian Journal Of Geology. P. 453-474. set. 2015.